Seja bem vindo!

domingo, 28 de outubro de 2012

Os olhos viram uma infância feliz




"...ver e ouvir a criança é fundamental em qualquer estudo que realmente
deseja estudar a infância. Esse olhar e esse ouvir ficam ainda mais pertinentes quando leva
em consideração o princípio de toda e qualquer infância: o princípio de transposição
imaginária do real, comum a todas as gerações, constituindo-se em capacidade estritamente
humana. É preciso levar em consideração uma concepção modificada da mente infantil,
“uma mente criando sentido, buscando sentido, preservando sentido e usando sentido;
numa palavra – construtora do mundo” (Geertz, 2001, p. 186).




 1972, era presidente  do Brasil, o Marechal Emílio Garrastazú Médici, com projeção e apoio de alguns e muitas críticas também como qualquer político. Mas no Brasil, política é assunto para poucos. Pelo menos, era o que parecia naquela família. Gente simples que lutava bravamente por construir um espaço feliz.
O patriarca, um imigrante alemão que viera para o Brasil com os pais, ainda criança aprendeu que o valor essencial da vida é a integridade. E integridade composta por bondade, honradez, sinceridade de propósitos e sobretudo amor. Amor em tudo que se propõe fazer, em tudo que se permite viver, a qualquer momento e de qualquer forma, amor.
Naquela casa, o cheiro do café vinha antes do cantar do galo e do bom dia do sol. Naquela humilde casa, o leite vinha morno pelas mãos do vovô, com o cheiro das tetas da vaca. E como biscoitinhos num prato, seus beijos completavam o café da manhã.
Enquanto isso a matriarca, uma portuguesa risonha com bochechas gordas e rosadas, alimentava suas flores e a horta com jatos refrescantes da água que vinha de um poço de águas rasas no quintal. Cantando fados para competir com o canto do galo que acabava de acordar.
O dia de trabalho começava. O vovô ia pra feira com meu tio que ainda era solteiro; ele reclamava pois, tio Nini ficava dormindo enquanto ele tinha que acordar. Porém, antes de sair, como trombeta ressoante vovô acordava a todos pois tínhamos nossas ocupações.
Minha função era brincar: correr atrás das galinhas para que aceitassem o milho que eu tinha que servir, subir na mureta do chiqueiro e assistir ao evento mais engraçado: os porcos comiam e jogavam o cocho pro alto, meu tio ficava irritado pois ele é quem tinha que lavar. Eu ria enquanto esguichava a água da mangueira em suas costas e corríamos pelo quintal fazendo guerrinhas dágua. Cansados deitávamos na grama e as gargalhadas nos cansavam mais que o trabalho cotidiano.
Minha tia era a princesa da casa, não precisava fazer nada, (segundo o vovô) mas a vovó fazia com que ela preparasse pães no forno de lenha para o lanche da tarde. Era preciso sovar a massa e deixá-la descansando antes de assar. Então, tínhamos uma longa tarde pela frente antes de completar o preparo dos pães.
Logo depois do almoço, enquanto a vovó fazia a sesta, toda gurizada da rua subia o morro mais alto do bairro munidos de pedaços de papelão e descíamos morro abaixo com o vento refrescando o rosto e a poeira arranhando os olhos. Muitos tombos, joelhos ralados, lágrimas misturadas com poeira e gargalhadas; cara suja, corpos suados, pés descalços. A liberdade de deitar no alto do morro e olhar pro céu. Assistir nas nuvens a formação de figuras: anjos com seus cachinhos dourados, monstros para lutar com rainhas guerreiras, barcos afundando no mar sendo resgatados por grandes peixes. A tarde parecia não acabar.
Todo mundo corria pro rio como pássaros em revoada e suas asas que se estendiam protetoras cobriam o futuro com uma capa de felicidade.

Um comentário: